Do Jornalismo à Ficção
O auditório estava quase lotado para ouvir as palavras da jornalista mais premiada do país. Em um final de tarde que ameaçava temporal, após um dia de calor incomum na primavera, Eliane Brum palestrou para uma plateia atenta no penúltimo sábado (06.10) da 28ª Feira do Livro de Caxias do Sul.
A jornalista não se expressou apenas por meio de sua voz persistente, que não se calou nem com a falha do microfone. Inquieta, ela também utilizou os gestos para pontuar suas falas. O olhar se fixava na linha do horizonte como se todas as histórias que presenciou passassem na frente de seus olhos.
Apesar de mais de 20 anos de Jornalismo, o discurso de Eliane no último final de semana foi dedicado principalmente à ficção. Afinal, o seu mais recente livro, chamado “Uma Duas”, dá vazão a cacofonia de vozes presentes na autora devido às inúmeras histórias que ouviu ao longo da carreira. “Há certas realidades que só a ficção comporta”, comentou.
A inspiração para a obra surgiu de diversos fatos reais, com destaque para um deles: a vizinha idosa que foi encontrada morta em seu apartamento, após um longo tempo de abandono. No livro, uma das personagens se encontra em situação semelhante de solidão devido ao difícil relacionamento que mantém com a sua filha. Eliane só conseguia dar vida aos seus personagens ao selecionar um tipo de letra para cada um deles. A cor também foi importante nesse processo, e é por isso que a editora manteve na impressão o texto laranja e as fontes usadas pela autora.
Para escrever ficção, a jornalista se deixou possuir por si mesma. “Foi uma experiência necessária, extraordinária e dolorosa”, revelou. Esse processo foi o contrário do que acontece quando escreve reportagens, pois então se esvazia de si mesma para ir em direção à história do entrevistado.
Foi assim que ela construiu suas matérias premiadas, e ficou conhecida pelo jornalismo literário. Porém, para Eliane a classificação do Jornalismo se dá entre o bom e o mau. O primeiro não reduz a complexidade do real e vai muito além do que é falado. Já o segundo acontece quando o jornalista se torna um “aplicador de aspas em série”.
Algumas reportagens trouxeram a Eliane muito mais que experiências profissionais; tiveram a capacidade de mudar a sua vida. Após acompanhar os últimos meses de uma mulher com câncer, a jornalista decidiu aproveitar melhor o seu tempo. “Todas as reportagens deixam marcas”, ensinou. Por isso, a escritora abandonou o seu cargo de repórter especial da revista Época. Agora, se dedica a outros projetos, como a ficção e os documentários, e mantém uma coluna semanal no site da revista.
Texto: Alana Bof e Sabrina Didoné
Fotos: Sabrina Didoné