Capital da cultura: críticas e indagações
A cidade de Caxias do Sul, conhecida pelo seu desenvolvido parque industrial, recebeu em 2008 um prêmio inesperado para população: foi eleita a capital brasileira da cultura. Desde lá, iniciou-se uma discussão a respeito do mérito da cidade em ter ganhado o concurso, um questionamento que permanece até hoje. Seria Caxias o município mais cultural de todo o Brasil?
Na verdade, a ONG Capital Brasileira da Cultura , responsável pelo prêmio, enviou convites para as cidades, e no ano de 2008 apenas quatro se inscreveram (Blumenau, Caxias, Petrópolis e Santa Cruz de Cabrália). O secretário da cultura da época, Antonio Feldmann (PMDB), explica que não poderia desconsiderar a oportunidade. “Imagine se eu tivesse recebido o convite e não tivesse inscrito. Eu seria o secretário que não acredita nem na cultura da própria cidade. Mas eu vi que seria uma oportunidade positiva, que ia promover a nossa cultura”, comenta. Ele argumenta que o objetivo do prêmio não é medir qual a localidade com mais cultura, e sim incentivar o desenvolvimento de atividades artísticas. Mesmo assim, alguns quesitos, como a estrutura e as leis de incentivo foram considerados. O poder público pagou uma taxa de inscrição, que em 2011 foi de 3 mil reais (município com mas de 400 mil habitantes). Também foi organizado um abaixo assinado que contou com mais de 30 mil adeptos.
Liliane Maria Viero Costa, vice-presidente da Associação de Arte e Cultura Agosto 17, confirma que o principal objetivo do título é incentivar as atividades. Ela fez parte do mandato do ex-prefeito Pepe Vargas (PT), e afirma que a conquista do título se deu também graças à estrutura que a Secretaria da Cultura já possuía, constituída durante o governo petista.
O professor de filosofia César Augusto Erthal acrescenta que outro fator que contribuiu para a conquista do título foi a proximidade da Festa da Uva. Reconhecida nacionalmente, a Festa aconteceu no mesmo ano do prêmio e é um evento que mobiliza toda a região. Para ele, a conquista do prêmio trouxe maior notoriedade ao município, o que ficou perceptível nas edições seguintes da Festa em 2010 e 2012.
Assim como César que acredita que a cidade evoluiu culturamente após o título, com o aparecimento de grupos de teatro por exemplo, Feldmann também é adepto a esse ponto de vista. O ex-secretário da cultura aponta alguns projetos que se desenvolveram após o episódio como o AMARTE (Acervo Municipal de Artes Plásticas) e a Sala de Teatro no Centro Henrique Ordovás Filho, além de mais recursos do Ministério da Cultura. Além disso, foram criadas as diretrizes do segmento cultural para os próximos 10 anos. “A gente não é apenas número, economia, ônibus e caminhão. Caxias tem muita gente com talento em todos os segmentos” complementa o ex-secretário.
Há outros dados que comprovam a ligação de Caxias com a cultura. Em 2009, pesquisa realizada pelo IBGE revelou que o município possuía o melhor índice nacional de gestão na área cultural. A revista Aplauso também concedeu à cidade o título de mais cultural, por cinco anos consecutivos, segundo Feldmann.
Valorização
De acordo com o professor de Filosofia César Augusto Erthal, apesar do título, a cidade ainda deixa a desejar em termos de valorização cultural. “Cultura em uma cidade é ir sim ao cinema e ao teatro, mas é também acompanhar uma Orquestra, participar de shows e eventos em parques, é conhecer alguns Museus, apreciar uma exposição, participar de uma feira do livro (e ler muito mais do que um livro por ano – índice muito pobre para uma cidade que já foi capital da cultura). Cultura é toda uma manifestação do povo que constrói e é construído pelo lugar em que vive”, enfatiza. Ele acrescenta que a mobilização em torno do setor deveria se estender para além dos períodos eleitorais.
Liliane Costa, vice presidente da agosto 17, concorda que a cidade não estava completamente preparada para o prêmio. O título veio cedo demais, pois seria necessário mais tempo para haver uma consolidação das políticas culturais criadas há pouco. Liliane faz outra ressalva em relação à maneira como foi divulgado o prêmio, pois não repercutiu externamente, ficou restrito ao local. O valor econômico da arte também é ressaltado por ela. “Enquanto o artista não for tratado como alguém que produz um ativo econômico pra cidade, nós nunca vamos entender o que temos de produção artístico-cultural”, complementa.
O ex-secretário Feldmann também destaca esse aspecto ao afirmar que tentou conseguir apoio das empresas para implementar os projetos que surgiram com o título, porém não houve retorno. Para mudar essa realidade, é preciso alterar a visão predominante de que “Caxias não tem nada”. “Nem eu às vezes sabia de tudo o que acontecia em termos culturais”, afirma. Segundo ele a divulgação das atividades deve ser aprimorada.
A única forma de elucidar todos os pontos levantados após a conquista da Capital Brasileira da Cultura é a discussão de ideias dentro da própria comunidade, com críticas construtivas. “A área cultural está sempre em conflito, se questionando. Isso é bom porque faz crescer. Mas não pode desmerecer o que foi e está sendo construído,” finaliza Feldmann.
Texto: Alana Bof, Sabrina Didoné e Taís Pellenz
Foto: Luísa Biondo